222016mar

Alfabetização e Autismo

Texto de Fausta Cristina de Pádua Reis, pedagoga, psicopedagoga, sócia fundadora do Instituto Autismo & Vida (http://www.autismoevida.org.br) e mãe de uma menina com autismo:

É muito comum recebermos no Instituto Autismo & Vida, pedidos de ajuda e orientação de pais e profissionais que lidam com questões inerentes à problemática do Autismo. Ficamos felizes pela confiança das pessoas que reconhecem o nosso esforço em compartilhar informação de qualidade acerca da síndrome e à medida do possível vamos respondendo a todos.

Hoje, queremos compartilhar de uma dúvida que sempre aparece por aqui: a alfabetização da pessoa com Autismo. Eu gostaria de escrever longamente sobre esse tema: Alfabetização x Autismo, fica aqui uma promessa de trazer para o site uma pesquisa bibliográfica sobre o tema. Neste momento, porém, penso que posso contribuir um pouquinho sem muito aprofundamento, mas pelo menos não deixamos de responder e mostrar o quanto nós pais somos gratos a vocês professores que buscam respostas, que acolhem o desafio de receber e ensinar a uma criança com Autismo.

Bom, a alfabetização está longe de ser um processo simples. Para quem já alfabetiza há muito tempo, pode até parecer que seguindo determinados passos do método X ou Y teremos a garantia de sucesso, mas, na verdade, este complicado processo requer muito mais que estratégias especificas; todos sabemos que ele começa a acontecer lá dentro da cabecinha do aluno desde que ele é um bebê, é um conhecimento tão intrincado, envolve tantas coisas, mas a gente acaba simplificando e acreditando mesmo que é entre os seis e os oito anos que a criança aprende a ler.

A gente sabe que até chegar ao ponto de ler a criança já incorporou um mundo de significados, já tem nome pra tudo, seu repertório de palavras é incrível e ela tem respostas e conceitos que adquiriu e elaborou vivendo intensamente os primeiros anos de vida, olhando, mexendo, planejando seus movimentos e principalmente brincando.

Bem cedo a criança já simboliza. Sim, palavras dão nome a coisas que estão lá na nossa cabeça, lá no mundo imaginário. Quando o bebê é capaz de pensar a imagem da mãe que está distante já começou a simbolizar, aquela imagem mental representa um ser que está distante, que está fora do seu campo de visão. Ao chorar, exigindo a presença física da mãe, começa a desenvolver linguagem.

Palavras representam objetos, isso é símbolo e antes de simbolizar foi preciso observar, direcionar o interesse, vivenciar, guardar na memória, agrupar categorias, depois selecionar pra expressar de forma adequada o que se pensa… De forma que uma criança brasileira de seis anos sabe muito bem o que é uma bala e vai lidar bem com o que lhe diz respeito, mas não sabe nada sobre esqui. A possibilidade dela se dar bem aprendendo sobre a grafia e a decodificação do conjunto de símbolos que expressam BALA é muito maior do que aprender a palavra ESQUI.

Além de aprender sobre o mundo, há muitas outras competências que são desenvolvidas. Para ler a criança tem que ter ritmo, saber que uma palavra se compõe de letras transformadas em som e que um som vem antes do outro. Tem que saber sequenciar e dominar outros tantos conhecimentos, é o que chamamos de pré-requisitos da leitura. Para escrever é preciso desenvolvimento motor, tônus muscular adequado, coordenação e para ambos é necessário saber imitar e se apropriar de forma adequada daquilo que se imita, mas é preciso também ter consciência corporal, definir lateralidade, entre outros.

Não estou tentando “ensinar vigário a rezar a missa”, mas antes de falar sobre as dificuldades e peculiaridades da aprendizagem da pessoa com Autismo precisamos deixar claro as lacunas ocorridas no desenvolvimento deste indivíduo.

É comum que as crianças com Autismo em graus diferentes, tenham comprometimentos em todas as competências que antecedem à aprendizagem da leitura e da escrita.

A pessoa com Autismo tem uma forma muito peculiar de ver o mundo, olham de forma diferente para objetos e pessoas, perdem com isso a absorção de mensagens que desenvolvem conceitos sociais e por isso tem dificuldade de interagir. Não sabem o que fazer, como ou porque devem se portar de tal maneira. Boas maneiras não significam nada, são códigos sem sentido que não são fortes o suficiente para segurar o sua ação impulsiva.

Não conseguem muito bem planejar, ou seja, existe um déficit na função cognitiva superior conhecida como Função Executiva e por isso eles têm dificuldades em planejar. Lembrem que para ler eu preciso ser capaz de seguir passos. Usar as letras certas que representam um som (ou mais de um) em uma ordem determinada com um ritmo correto.

Tem dificuldade de comunicação e junto a isso um déficit no desenvolvimento da linguagem – mesmo quando a fala está presente o uso adequado da linguagem para estabelecer um canal competente de comunicação é falho – e também tem um comportamento muitas vezes que privilegia a repetição e a rotina, os movimentos previsíveis (as mudanças não são o seu forte) e tudo isso afeta diretamente a aprendizagem acadêmica tão abstrata e muitas vezes incoerente.

Se a gente estuda sobre os déficits do desenvolvimento infantil no Autismo fica mais fácil entender o porquê das dificuldades.

O que uma criança típica aprende e desenvolve naturalmente, a criança com Autismo precisa ser orientada com persistência para fazer. Por isso é preciso pensar em desenvolver tudo o que está imaturo, portanto uma avaliação seria perfeita, mesmo se for feita por um professor baseado na sua experiência alfabetizadora.

Primeiramente, precisamos trabalhar muito mais seleção, classificação, consciência corporal, orientação espacial, coordenação viso-motora, ordenação temporal, sequência lógica. Tudo de forma adequada àquele sujeito. Geralmente as técnicas comportamentais dão muito resultado. Isso significa estruturar o que será ensinado com uma rotina visual, elogiando muito os acertos, ignorando os comportamentos inadequados. Aqui, vale lembrar que ignorar o comportamento não significa ignorar a criança e que é preciso separar o comportamento da criança: “você é legal, mas este comportamento não é legal”.

É fundamental fazer valer todas as possibilidades de contato e isso acontece mais quando usamos o universo de interesses da criança. Quando se sentem respeitados, as crianças com Autismo sempre respondem positivamente.

Temple Grandin, autista, escritora, PhD, profissional mundialmente respeitada, nos conta que é uma pensadora visual e que pensa por meio de imagens. Segunda ela, a generalização de conceitos é um problema que enfrentou, pois algumas aprendizagens que são descoladas do seu dia-a-dia e não parecem fazer sentido e por isto não são incorporadas facilmente. Por isso, estabelecer relações com o universo de interesses é uma garantia de sucesso.

Quanto mais visual pudermos direcionar as estratégias de ensino mais certo será a compreensão. Parece difícil, mas é preciso, sobretudo, estabelecer metas, eleger estratégias e acreditar que eles podem, do jeito deles eles são capazes de aprender qualquer coisa.

Particularmente, tentei três métodos de alfabetização com minha filha e só agora ela começa a demonstrar o que para ela parece fazer mais sentido: o método fônico. Desta forma, não existe o método que seja mais eficaz ou mais indicado para quem tem Autismo.

Assim, como muitas crianças com desenvolvimento típico, a pessoa com Autismo vai se adequar melhor a um ou a outro de acordo com seu perfil. Leitura global, método silábico, abordagem Montessoriana, método fônico… Com a valiosa ajuda da informática ou por meio de blocos de madeira ou mesmo com um alfabeto móvel. Uma mistura de abordagens ou aquela que você mesmo acabou desenvolvendo. A verdade é que sua crença na capacidade de aprendizagem desta pessoa é que vai verdadeiramente valer como elemento de sucesso e te garanto: a sua satisfação fará valer a pena este desafio!

Fonte: http://www.autismoevida.org.br